quinta-feira, novembro 23, 2006

A poupança da gasimetria

A gasimetria está para para um aluno de medicina da mesma forma que um kart está para um pretenso corredor de fórmula1. São as regras da vida.

Isto a propósito de, há uns tempos atrás, enquanto eu via a minha panóplia de doentes diários, ter visto uma aluna de medicina, em estágio no meu singelo hospital, unidade de carácter não-universitário, a iniciar-se nessa prática quase mágica para qualquer candidato a médico.

Como estava na mesma sala que a futura colega, não me inibi de observa-lá, discreta e atentamente (NÃO faças aos outros o que não gostas que te façam a ti -já vinha nos mandamentos. Sempre detestei que muitos olhos se focassem nas minhas técnicas: para além da pressão acrescida, ficava taquicardizada e ruborizada, e não sei por que diabos corriam sempre menos bem...
Nunca me esqueço e, perdoem-me a oportunidade, de, no meu último estágio do meu último ano de faculdade, o meu tutor ter-me dito para fazer (mais) uma paracentese diagnóstica. Desta vez era um doente com uma ascite discreta e, enquanto eu sagradamente confirmava o material disposto no tabuleiro, o meu tutor decidiu chamar todos os coleguinhas mais novos que estavam a estagiar naquele serviço para aprenderem como é que se fazia uma paracentese... Qual rebanho, qual pastor....Só me aptecia picar os neurónios do autor daquela bela ideia! Vá lá, até correu bem....
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mas continuando o post....). Observava-a de soslaio:
Vi-a tentar uma vez. E não conseguiu.
perguntei se ela precisava de ajuda, e ela disse que não, que já tinha sido ensinada no seu hospital universitário (que faz toda a diferença, claro está...)
Mudou de seringa, e tentou outra vez. Nada.
fingi que não vi para não a atrapalhar.
Mudou de punho, mudou de seringa e voltou a picar. Nada.
desta vez, sem conseguir ficar indiferente, disse que não se preocupasse porque nem sempre se acerta à primeira, que há pulsos filiformes e artérias tortuosas que acrescem um grau de difuldade à punção, eo blah blah blah do costume. Ofereci-me para fazer a punção, prosposta que ela rejeitou... Limitei-me a dizer que não era necessário inutilizar de imediato as seringas vazias ao qual ela ripostou, que entupiam e que dificultava... Não respondi.
Mudou de seringa. Picou. Não acertou.
Desta vez e, terminada a observação dos doentes que tinha para ver, eu deixei a sala...

Num época em que se fala cada vez mais em economia (aliás, SÓ se fala em economia!), em gestão hospitalar e como evitar o desperdício, fiquei a pensar....
Fiquei a pensar quantas seringas ela teria inutilmente inutilizado...
Fiquei a pensar no custo de cada seringa.... (que confessando a minha ignorância (e a dela, pelos vistos) também eu não sabia...)

Fiquei a pensar que, uma das formas possíveis de reduzir o gasto e o desperdício hospitalar, seria de, nas requisições de análises clínicas, imagiologia, electrocardiografia, constar o preço de cada exame a requisitar.

Isso far-nos-ia parar e pensar. Só se poupa quando se sabe o custo e quando esse custo, pode interferir com o nosso bolso.

6 comentários:

Gasel disse...

:) tb trabalho num hospital não-universitário e tb noto uma coisa: cada vez mais há mais recém cursados (excelentes teóricos...) com uma estranha presunção de q sabem tudo o q há para saber e que um (pobre...) médico já nada lhes pode ensinar! Enfim...
E já com muitos anos disto, mas numa área em que não se picam mts artérias, comecei a falhar sistematicamente as radiais (q tristeza!) Como não tenho muito por onde pedir ajuda, dediquei-me às femurais, onde raramente falho! :)

J.F disse...

De passagem por aqui, deste-me uma ajuda na minha pouca inspiração para escrever qq coisa no queraiodesaúde.
Obrigado.
Estou plenamente de acordo com o que dizes. O desperdício deve ser evitado por "TODOS". Profissionais e doentes.
Eu cá faço por issso.
mas os nossos gestores também o devem fazer, quanto mais não seja para darem o exemplo, não?

Peliteiro disse...

Na privada, quando falhamos uma veia quem paga não é o Estado.
É a vida...

E o doente? Coitado, levar umas espetadelas na radial dói com'ós diabos...

edelweiss disse...

Gasel: pode parecer estranho mas nunca piquei uma femural... lol

Maria disse...

ola reanimadora!
nao te posso garantir mas acho que o kit de gasimetria anda à volta dos 15 euros...
como aluna, nunca neguei ajuda...mas isso sao opções :)
em conversa com colegas chegamos à conclusao que podíamos ajudar na contençao de custos através da substituição das agulhas em vez das trocas de seringas...

Anónimo disse...

Há uns anos, disseram-me que cada kit (seringa+agulha+tampa) andará à volta dos 5 euros, já a análise em si, depende da máquina, e nas mais antigas pode chegar aos 40 euros, ao que parece!! Nas mais modernas, e como o método é enzimático, e as reacções são reversíveis, os reagentes só são mudados por se esgotar o seu tempo de vida (costuma andar à volta de um mês), portanto, quanto mais gasimetrias, maior a poupança, e poderá chegar a uns 3/4 euros por análise.
Quanto ao preço das coisas, concordo plenamente. Trabalho no S. João e a prescrição é electrónica. Quando clicamos no "ok" para a ordem seguir para a farmácia, aparece uma janela "pop-up" com o preço diário da prescrição. Acredita que faz a diferença. Quantas vezes não se volta para trás a pensar "deixa lá ver onde é q eu posso cortar..."!