sexta-feira, novembro 17, 2006

Porque ninguém que ser médico de família (quando for grande)?

MINISTÉRIO DA SAÚDE
Gabinete do Ministro
Despacho n.o 23 095/2006

A carência de médicos que se faz sentir na área da medicina geral
e familiar é notória e sentida pela população.

A reforma dos cuidados de saúde primários constitui uma prioridade
do Ministério da Saúde, pelo que se impõe, entre outras acções, que
o processo de admissão ao internato médico concorra para se atingirem
os ambiciosos objectivos que com aquela reforma se pretende alcançar.

O número de vagas de medicina geral e familiar que tem vindo
a ser disponibilizado para os internatos médicos, apesar do acréscimo
verificado nos últimos anos em resultado do esforço de articulação
desenvolvido pela Secretaria-Geral do Ministério da Saúde com as
diversas entidades que intervêm no processo, mantém-se abaixo do
necessário.

É, pois, imprescindível e inadiável reforçar significativamente o
número de vagas dessa especialidade.

Assim, determino:
1—Que se altere o mapa de vagas por área profissional de especialização
referente ao internato médico 2006, divulgado na página
da Internet da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde, de forma
que o número de vagas de medicina geral e familiar corresponda
a 20% do total das vagas colocadas a concurso.
2—Que, para os internatos médicos que se iniciem a partir de
2007, o número de vagas de medicina geral e familiar corresponda
a um mínimo de 25% do total das vagas a colocar a concurso.
3—Que os avisos n.os 10 987/2006 e 10 988/2006, publicados no
Diário da República, 2.a série, n.o 195, de 10 de Outubro de 2006,
sejam alterados, de forma que se cumpra o disposto no número
anterior.
20 de Outubro de 2006.—O Ministro da Saúde, António Fernando
Correia de Campos.


Concordo em tudo o que o nosso Sr. ministro, CC, escreveu. Tudo, excepto, revogar um concurso já publicado oficialmente. É vergonhoso!
E concordo porque, não posso ser HIPÓCRITA, porque como já defendi, Portugal continua a ser o país da Europa com o maior rácio médicos/1000habitantes mas com uma péssima distribuição regional e/ou por especialidades, e é OBRIGATÓRIO canalizar médicos para as áreas carenciadas, neste caso MGF.

E continuando na linha de raciocínio da NÃO-HIPOCRISIA, admito que 99,9% dos jovens médicos de hoje NÃO estão interessados em seguir a carreira de médicos de família. Simplesmente não estão.

Porque? Mil razões poderia dar.

-A começar pelo próprio ministro que, se a memória não me atraiçoa, disse em linhas gerais, que se adoecesse nunca iria a um SAP (não sei a frase exacta, confesso).

-Por outro lado, os médicos hospitalares, verdadeitos senhores doutores de bata branca, muitas vezes descreditam e espancam verbalmente os colegas dos CS (e muitas vezes com a razão como aliada).

-Os próprios médicos de MGF são alvos de chacota-sef-made: colegas que limitam-se a encaminhar os doentes para outros colegas (fazendo lembrar os extintos polícias sinaleiros no meio de um cruzamento em hora de ponta), outros que ainda parecem verdadeiros 'João Semana's com a medicina do século XVIII (e sem qualquer intuito de actualização), alguns colegas que preferem ver os DIM a ver doentes (estes mais raros, felizmente), etc, etc.

-Os próprias faculdades de medicina que leccionam maioritariamente uma medicina hospitalar, com escassos dias de MFG (relembro o caso específico da Faculdade de Ciências Médicas da U.N.L, com uma cadeira de MGF exemplar e bem estruturada, mas que, fazendo bem as continhas, em 6 anos de curso são penas 60 dias de MGF...
Por mais ínsignias que tenha a cadeira, assim não se cativa ninguém, não é?)

-Para além destes motivos, o ISOLAMENTO, a ausência de verdadeiras URGÊNCIAS/EMERGÊNGIAS HOSPITALARES (e não estou a falar da unha encravada do 1º dedo do pé esquerdo) aliados a menores descargas de catecolaminhas (que todos nós dizemos mal, mas a verdade é que ninguém passa sem elas), a (suposta, sublinho SUPOSTA) MENOR REMUNERAÇÃO (e não me venham dizer que isso não é importante porque são tretas), são tudo factores co-adjuvantes para a não escolha da especialidade.

Mas a vida é assim.
Os que puderem safam-se, e escolhem outras especialidades (e serão elas realmente mais satisfatórias??).
Os que não puderem (leia-se, os que tiveram um choque anafilático ao Harrisson's), vão ter mesmo que enveredar por esse caminho.
Aprendam a gostar.
Por vezes há surpresas fantásticas.
E que as há, há.
Vão ver.

4 comentários:

Su disse...

Acho que a MGF pode ser uma área fantástica. Tinha ideias falsas, pré-concebidas, que mudei ao longo deste ano. Passava por esses srs. professores hospitalares mudarem um pouco de atitude em relação à medicina não hospitalar porque essa atitude também contribui em grande medida para o descrédito por parte dos doentes. É triste realmente apenas 2 meses de MGF num curso de 6 anos, quando afinal 25% das pessoas do meu concurso vão lá parar. É a especialidade que alicerça o SNS (se ele ainda está vivo) por isso não devia ser assim. Acho que muitas das pessoas poderiam encarar a MGF como uma opção válida e não como um "exame que correu mal" se: 1) alguém neste país percebesse que também se trata de uma especialidade como as outras; 2) os médicos mais velhos dessa área fossem para a reforma, porque são esses que dão mau nome à classe (embora tenha conhecido um fantástico na FMUP ;)) e 3) Houvesse apoio económico para as pessoas irem para onde são necessárias. Porque os SAPs desaparecem, as urgências fecham, as escolas também, as populações envelhecem, ninguém quer lá ficar. É o interior. Acham mesmo que é desta forma que se incentivam médicos novos para ir para um sítios desses? Gostava de mudar qualquer coisa mas sei que é muito difícil. Boa sorte para ti ;) Kiss

Su disse...

Ah e quanto à remuneração acho que é mais uma ideia falsa e pré-concebida que passam para os estudantes de medicina. Com domicílios, certos tipos de horários em centros de saúde e a privada que é possível fazer acho até que são dos que mais ganham, aliado ao facto de manterem uma qualidade de vida muito aceitável pois não têm de andar a fazer noites em horas extra.

J.F disse...

Cara reanimadora
O gosto ou a opção pela especialidade, ou mais bem dito, pela carreira(Medicina Familiar,Hospitalar ou Saúde Pública), sempre se fez pela "moda", pelo estatuto que detem e a sua relação com a classificação obtida para o ingresso na cerreira em função das vagas criadas.
O mesmo se passa em relação à escolha da licenciatura...
Será que é pela nota do ensino secundário que se conseguem melhores médicos? O mesmo se pergunta em relação às especialidades que são "escolhidas". Aquando da opção,será que o licenciado o faz por opção assumida ou por "estar na moda" e ter obtido uma "boa nota" também?
No meu entender, o "incentivo" à especialização em MGF não se faz à custa da criação de "mais vagas percentuais" já que sucede frequentes vezes os candidatos tentarem a mudança de carreira no ano seguinte e "contra vontade" nada se consegue.
Deve-se fazer sim, à custa duma boa preparação durante a licenciatura, como dizes, mas acima de tudo com a dignificação da especialidade e duma consciencialização da importância que ela tem na saúde pública, como pilar do SNS (como alguém disse).
Conheço excelentes "Clínicos Gerais" da minha geração (agora Assistentes, Ass.Grad ou Chefes de Clínica Geral) que com o mesmo profissionalismo dos da carreira Hospitalar ou de Saúde Pública, desenvolvem excelente trabalho...
E com imaginação, actualização e acima de tudo interesse pelo doente ou cidadão, muito há a fazer.
Assim é que se dignifica a MGF

edelweiss disse...

Caro colega Francisco M,

As razões que eu coloquei para a NÃO escolha da especialidade de MGF NÃO se restrigem a uma opinião única e de cáracter pessoal, mas sim a um CONJUNTO de opiniões sinceras, globais, de vários colegas que se cruzaram e trabalharam comigo nos últimos anos.
Fi-lo sem ter medo de pôr os pontos nos ii's. Sem hipocrisia.
Infelizmente e, cada vez mais, o não-pensar assim é a EXCEPÇÃO, e não a regra.

Espero, ao menos, que este post contribua para obrigar os jovens médicos a párar e pensar no que realmente é a MGF e o quão GRATIFICANTE pode ser.
Aliás, eis porque desmistifico a ideia no último parágrafo do post.

Com os melhores cumprimentos