sexta-feira, outubro 20, 2006

Altas problemáticas


Hoje, foi mais um dia de enfermaria. Hoje, vi (e revi) os doentes das minhas salas e dos corredores que adornam o hospital. E dei altas.
No meio deste reboliço diário, inúmeras vezes repetido, alguns familiares aguardam.
Há quem aguarde por notícias dos seus entes, queridos ou não, notícias boas ou notícias más, e anseiam (ou não) o seu regresso.
Outros, bem, outros... nem aguardam. Não esperam nada de nós (nem tão pouco deles próprios), ou melhor ainda, esperam apenas que o Estado colha e cuide dos seus entes 'queridos' que, por motivo de forças maiores, já não têm espaço nas suas vidas. Como se fosse um direito adquirido e não houve qualquer tipo de dever.
E lá ficam. Numa sala ou corredor de hospital. Amontoados. Acumulados. Amaldiçoados, pela vida e pelos seus mais íntimos.
Outros há ainda que, ridiculamente, apenas vêm perguntar pelo subsídio de dependência que os seus entes podem valer. Até os podem lá deixar. Não querem saber. É só mais um algarismo a adicionar na conta diária das altas problemáticas. Só mais um...

Hoje surpreendi-me. Casos raros ainda nos fazem esboçar um sorriso e pensar que a nossa missão ainda possui sentido. Ainda.

A mulher do Sr. Silva (nome fícticio), um doente de 72 anos, re-internado por pneumonia nosocomial. Um senhora com tez marcada pelo sol, com rugas carregadas das sete décadas que traz consigo, com óculos gigantes no intuito de ver (alguma coisa) melhor (do que já era).
Ao fim do 12º dia, o Sr. Silva, seu marido de toda a vida, teve alta. Já não apresentava os ruídos adventícios nem a polipneia da entrada, analíticamente estava controlado e tinha uma boa evolução radiológica.
Estava na altura de partir. Falei com a família. A mulher do Sr Silva, não conteve a emoção, e agarrou-me a mão e beijou-a.
Agradeceu-me.

Por finalmente o seu marido ir para casa.
Pelo tratamento que recebeu.
Porque, o lugar dele é em casa.

Voltei ao gabinete dos médicos. Re-encostei-me a cadeira. Sorri para a minha tutora. Peguei numa mão cheia de processos clínicos e prossegui o meu trabalho.
Porque, assim, dá gosto em continuar a acreditar....

2 comentários:

Maria disse...

por haver cada vez menos emoção, damos mais valor quando ela aparece...e ajuda-nos a viver "melhor"...

gostei mt deste blog :)

Anónimo disse...

tens toda a razão qd dizes isto tudo...de facto sinto isso mtas vezes, pq trabalho na areada gerontologia...gostei mt destes desabafos....